O QUE É MEDITAÇÃO?
DIZER ALGUMA coisa sobre meditação é uma contradição. Meditação e algo que
você pode ter, que você pode ser, mas por sua própria natureza não é possível dizer o que
ela é. Ainda assim, diversos esforços foram feitos para falar sobre meditação. Se apenas um
conhecimento fragmentado e parcial for possível a partir dessas tentativas, já é muito.
Ainda que parcial, essa compreensão pode se tornar uma semente. Isto depende muito de
como você ouvir: se apenas escutar as palavras, sem prestar atenção, então nem mesmo um
fragmento chegará até você. Mas se você ouvir atentamente, compreenderá.
Escutar é mecânico: qualquer animal que possua ouvidos consegue escutar. Ouvir e
compreender, contudo, significa que, enquanto você está escutando, toda sua atenção estará
centrada nisso. Aquilo que for dito chegará até você. Sua mente não deve interferir: ouça
sem interpretar, sem preconceitos, sem interferência de outras coisas que estejam, nesse
momento, passando dentro de você, pois tudo isso é distorção.
No cotidiano, você precisa apenas escutar, sem fazer mais nada, porque as coisas que
escuta dizem respeito a objetos comuns. Se eu disser algo sobre a casa, a porta, a árvore,
não é preciso ouvir com atenção, estou falando sobre objetos comuns. Mas é preciso prestar
atenção quando se fala sobre algo como meditação, pois ela não é um objeto, e sim um
estado subjetivo.
Mesmo que seja apenas uma pequena compreensão, já será suficiente. Se essa compreensão
for parar no lugar certo, no coração, crescerá por conta própria.
Primeiro tente entender a palavra “meditação’. Essa não é a palavra mais adequada
para o estado que um verdadeiro aprendiz está procurando, por isso quero falar a respeito
de determinadas palavras.
Em sânscrito, temos uma palavra especial para meditação: dhyana. Essa palavra não
tem paralelo em nenhum outro idioma, não pode ser traduzida. Há dois mil anos é dito que
ela não pode ser traduzida pela simples razão que em nenhum outro idioma as pessoas
experimentam o estado que ela denota. Por isso estes idiomas não possuem essa palavra.
Uma palavra só é necessária quando há algo a ser dito, a ser designado. Em português
há três palavras próximas: a primeira é concentração. Vi muitos livros que foram escritos
por pessoas muito bem-intencionadas, mas eram pessoas que não experimentaram de fato a
meditação. Usam a palavra concentração como se fosse dhyana, mas dhyana não é
concentração.
Concentração é um estado da mente, e significa que a mente está focada em um único
ponto. Em geral a mente está sempre se movendo, e quando ela se move é difícil pensar
apenas em um assunto. A concentração é necessária para fazer ciência, por exemplo. Não
me surpreende que a ciência não tenha se desenvolvido no Oriente, pois lá a concentração
nunca foi valorizada, por não ser necessária para a religião.
Através da concentração, focando em um único ponto, é possível ir cada vez mais
fundo em um objeto. É o que a ciência faz: descobre cada vez mais coisas sobre o mundo
objetivo. Uma pessoa cuja mente está sempre nas nuvens não pode ser um cientista.
Toda a arte de um cientista está em ser capaz de esquecer o mundo à sua volta e
colocar toda sua consciência em uma única coisa. É como concentrar raios solares através
de uma lente. A concentração traz os raios de sol, antes dispersos, para um único ponto,
criando energia suficiente para gerar fogo.
A consciência tem essa mesma qualidade: concentre-a e você poderá penetrar cada
vez mais fundo nos mistérios dos objetos.
A concentração é sempre a restrição de sua consciência. Quanto mais restrita ela se
torna, mais poderosa ela será. Mas isso não é religião. Muitas pessoas entenderam isso
errado, não apenas no Ocidente, mas também no Oriente, e pensam que concentração é
religião. Ela lhe dá enormes poderes, é fato, mas são poderes da mente.
Segundo ponto: meditação não é contemplação.
Enquanto a concentração é direcionada para um único ponto, a contemplação é mais
ampla. Se você está contemplando a beleza, há milhares de coisas belas, e você pode passar
por cada uma delas. Você possui muitas experiências de beleza e pode contemplá-las todas.
Você permanece sempre restrito a um assunto, e isso é contemplação. Não estar focado em
um único ponto, como a concentração, mas restrito a um assunto. Você e sua mente se
moverão dentro desse espaço.
A ciência usa a concentração como seu método. A filosofia usa a contemplação. Na
contemplação, você esquece tudo aquilo que não pertence ao assunto em questão. A
contemplação é um tipo de sonho lógico, é algo raro. A filosofia depende da contemplação.
Na filosofia, se alguns fragmentos dentro de um assunto necessitarem de um esforço mais
concentrado, a concentração será usada. A filosofia é feita basicamente de contemplação,
mas pode usar a concentração como ferramenta em alguns momentos.
A religião, contudo, não pode usar a concentração. Também não pode usar a
contemplação, porque religião não diz respeito a um objeto. Não importa se o objeto estiver
no mundo externo ou se o objeto for sua mente (um pensamento, uma teoria, uma filosofia),
ainda assim será um objeto.
A religião diz respeito àquele que se concentra, àquele que contempla.
Quem é ele?
Você não pode concentrar-se sobre ele. Quem irá concentrar-se sobre ele, se ele é
você?
Impossível contemplá-lo, pois quem irá contemplar? Você não pode dividir-se em
duas partes e colocar uma parte na frente de sua mente, enquanto a outra parte começa a
contemplar. Não há qualquer possibilidade de dividir sua consciência em duas partes. E,
mesmo se houvesse essa possibilidade — repito, não há, mas faço a suposição de que seja
possível dividir sua consciência em dois para podermos argumentar —, então aquele que
contempla o outro é você; o outro não é você.
O outro nunca é você.
Em outras palavras: o objeto nunca é você. Você é, de forma irredutível, o sujeito.
Não há como transformá-lo em um objeto.
É como um espelho. O espelho pode refletir você, pode refletir qualquer coisa que
exista no mundo, mas como fazer que esse espelho reflita a si mesmo? Você não pode
colocar esse espelho em frente a si mesmo, pois se você fizer isso ele não estará mais em
sua posição original. Um espelho não pode espelhar a si mesmo. A consciência é
exatamente um espelho. Você pode usá-la para concentrar-se sobre qualquer objeto. Pode
usá-la para contemplar um assunto.
A palavra “meditação’, em português, não é a palavra certa, mas, como não há
nenhuma outra, devemos usá-la até que dhyana seja aceita na língua portuguesa, assim
como foi aceita pelos chineses e pelos japoneses, pois a situação era a mesma nesses dois
países. Há dois mil anos, quando os monges budistas entraram na China, tentaram encontrar
uma palavra que pudesse traduzir a sua palavra, jhana.
O Buda Gautama nunca usou o sânscrito como sua língua, usou uma língua que era
usada pelo povo. Essa língua chamava-se páli. O sânscrito era a língua dos sacerdotes, dos
brâmanes, e uma das idéias essenciais da revolução pro movida por Buda era a de que os
sacerdotes deveriam ser derrubados, pois não havia razão para sua existência. O homem
pode conectar-se diretamente com a existência, isso não deve ser feito através de um
agente. Na verdade, não pode ser feito através de um mediador.
Isso é fácil de ser compreendido: você não pode amar seu parceiro através de um
mediador. Você não pode dizer a alguém: “Olha, estou dando a você 10 reais, por favor, vá
lá e ame minha esposa por mim. Um empregado não pode fazer isso, ninguém pode fazer
isso em seu lugar — só você mesmo. Caso contrário, os ricos não se preocupariam com
esse assunto tão complexo. Eles têm muitos empregados, muito dinheiro, poderiam mandar
os melhores empregados possíveis, mas por que se preocupariam pessoalmente com essa
tarefa?
Há coisas que você precisa fazer por si mesmo: dormir e comer, por exemplo. Como
então um sacerdote, que nada mais é que um empregado, poderia mediar o relacionamento
entre você e a existência, ou Deus, ou a natureza, ou a verdade?
Religião, portanto, não é contemplação.
Não é concentração.
É meditação.
Mas meditação precisa ser entendida como significando dhyana, porque a palavra
meditação, em português, traz sempre uma noção errônea. Vamos primeiro tentar entender
o que ela significa em português. Quando você diz que “medita”, podem perguntar: “Sobre
o que você está meditando?” É preciso que haja um objeto: a própria palavra traz uma
referência a um objeto, e dizemos “estou meditando sobre a beleza, sobre a verdade, sobre
Deus”. Não se pode dizer apenas: “estou meditando”, a frase fica incompleta. Você tem que
dizer sobre o que está meditando, esse é o problema.
Dhyana significa “eu estou em meditação”, não é nem mesmo “estou meditando”. Se
formos traduzir ao pé da letra, o sentido de dhyana seria “eu sou meditação”.
Buda usou jhana, a transformação de dhyana em páli. Buda usou a linguagem do
povo como parte de sua revolução por que, disse ele, “a religião precisa usar aquilo que é
comum, a linguagem corrente, de forma que os sacerdotes não sejam mais necessários. As
pessoas podem entender as escrituras, podem entender os sutras, podem entender o que
estão fazendo. Sacerdotes não são necessários”.
O sacerdote é necessário porque usa uma língua diferente, que o povo não pode usar,
e continua reforçando a idéia de que o sânscrito é a língua divina e nem todos têm
permissão para lê-la.
Através de Buda e de sua revolução, jhana chegou à China, onde tornou-se ch’an.
Como não tinham uma palavra própria, usaram jhana, mas, como em cada idioma a
pronúncia se altera, surgiu a palavra ch’an. Ao chegar ao Japão tornou-se zen, mas ainda e
a mesma palavra dhyana. Aqui estamos usando a palavra meditação no sentido de dhyana.
Em português é algo entre concentração e contemplação. A concentração é focada em
um único ponto, enquanto a contemplação abrange uma área mais extensa, e a meditação é
um fragmento dessa área. Quando você está contemplando determinado assunto, há
algumas coisas que necessitam de maior atenção. Então você medita. É isso que
“meditação” significa em português: concentração e contemplação são os dois pólos, a
meditação está exatamente no meio. Mas não vamos tomar a palavra em seu sentido usual,
estamos dando a ela um novo sentido.
Meditação é sentar-se sem fazer nada — não usar seu corpo nem sua mente.
Se você começar a fazer alguma coisa, ou você entrará em estado contemplativo ou
estará concentrado ou executará uma ação — de toda forma, estará movendo-se para fora
de seu centro. Quando você não estiver fazendo absolutamente nada, seja física ou
mentalmente ou em qualquer outro nível, quando toda atividade houver cessado e você
estiver apenas sendo, isto é meditação. Não é possível fazê-la, não é possível praticá-la. É
preciso apenas compreendê-la.
Sempre que você conseguir, pare todo o resto e encontre tempo para apenas ser.
Pensar também é fazer, concentrar-se também é fazer, contemplação é fazer. Mesmo que
seja um único momento em que você não esteja fazendo nada e esteja apenas em seu
centro, completamente relaxado, isto é meditação. E quando você pegar o jeito, poderá ficar
nesse estado por quanto tempo quiser. Com o tempo, poderá ficar nesse estado durante as
24 horas do dia.
Após ter experimentado esse estado de tranquilidade, então, aos poucos, você
começará a fazer coisas, mantendo-se alerta para que seu ser não seja perturbado. Esta é a
segunda parte da meditação. Primeiro, aprender a simplesmente ser, depois aprender
pequenas ações: limpar o chão, tomar banho, mas sempre mantendo-se no centro. Depois
você poderá fazer coisas mais complexas.
Por exemplo, estou me dirigindo a você, mas minha meditação não foi perturbada.
Posso continuar falando, mas em meu centro não há sequer um ruído. Há apenas silêncio,
silêncio absoluto.
Então a meditação não é contra a ação.
Isso não significa que você tenha que fugir da vida: você se torna o centro do ciclone.
Sua vida continua e, na verdade, torna-se mais intensa, mais cheia de alegria, com
maior clareza, mais visão e mais criatividade. Ainda assim, você está nas nuvens, um
observador nas montanhas, apenas vendo o que ocorre a seu redor.
Você não é aquele que faz, mas sim o que observa.
Todo o segredo da meditação está em tornar-se o observador. As ações continuam em
seu nível, não há problemas. Você pode fazer coisas pequenas ou grandes. A única coisa
que não lhe é permitida é perder seu centro.
Essa percepção deve permanecer absolutamente límpida, imperturbável.
A meditação é um fenômeno muito simples.
A concentração é muito complicada porque você precisa se esforçar, é cansativo. A
contemplação é um pouco melhor porque você tem mais espaço para se mover. Você não
está se movendo através de um pequeno buraco que irá se tornar cada vez mais estreito,
como na concentração.
A concentração tem a “visão de túnel”. Você já reparou em um túnel? Visto de um
lado, de onde você está olhando, ele é grande. Mas se o túnel tiver três quilômetros, o outro
lado será apenas uma luz redonda e pequena. Quanto maior o túnel, menor será o outro
lado. Quanto mais brilhante for o cientista, maior será o túnel. Ele precisa focar, e focar é
sempre algo tenso.
A concentração não é natural para a mente. A mente gosta de vagabundear, de moverse
de uma coisa para outra. Está sempre excitada com novidades. Na concentração, a mente
está quase aprisionada.
Na contemplação há mais espaço para explorar, para se mover. Ainda assim, é um
espaço limitado.
A meditação, a meu ver, possui todo o espaço, a existência inteira à sua disposição.
Você é o observador, pode observar toda a cena. Não é preciso esforço para se concentrar
em uma coisa, nem para contemplar. Você não está fazendo nada disso, está apenas
observando. É um jeito. Não é ciência, não é arte, não é trabalho — é jeito.
Você precisa, então, brincar um pouco com a idéia. Sentado no banheiro, brinque
com a idéia de que você não está fazendo nada. Um dia você se surpreenderá: de tanto
brincar com a idéia, ela terá acontecido, pois é algo que está em sua natureza. Basta esperar
o momento certo. E como você não pode saber qual será o momento certo, continue
brincando com a idéia.
Estou usando a palavra “brincar” porque sou uma pessoa pouco sisuda e minha
abordagem da religião não é sisuda.
Continue brincando, aproveite todo o tempo livre. Confortavelmente deitado na cama,
se o sono não vier, brinque com essa idéia. Por que se preocupar com o sono? Ele virá
quando vier, não há nada que você possa fazer a respeito. Você tem esse tempo, aproveiteo.
Você não precisa sentar-se na posição de lótus. Em minha abordagem da meditação, não
é preciso se torturar de forma alguma.
Se você gosta de sentar-se em lótus, então faça isto. Mas os ocidentais que vão para a
Índia levam seis meses para aprender a posição de lótus, e se torturam com isso. Acham
que, quando tiverem aprendido a posição de lótus, terão ganho algo. Toda a índia senta-se
em posição de lótus e ninguém jamais ganhou algo com isso. É apenas a maneira mais
natural que eles têm para sentar-se. Em um país frio, é preciso sentar-se em uma cadeira
para ficar longe do chão. Em um país quente, quem se importa com cadeiras? É possível
sentar- se em qualquer lugar.
Nenhuma postura especial é necessária, nenhum tempo especial é necessário. Há
pessoas que pensam que há um momento especial, mas qualquer momento é bom para a
meditação. Basta que você esteja relaxado e querendo se divertir.
Se nada acontecer, não importa Não se sinta mal por isso, pois garanto a você que
algo acontecera hoje, ou amanhã, ou em tres meses ou em seis meses Não vou criar
nenhuma expectativa porque isso se tornará uma tensão em sua mente. Pode acontecer em
qualquer dia, pode não acontecer depende de quanto você estiver se divertindo.
Sempre que você se sentir relaxado, sempre que não estiver tenso, brinque com a
idéia de meditação da forma que lhe expliquei. Fique em silêncio, centrado em si mesmo, e
um dia algo acontecerá.
Há apenas sete dias durante a semana, então algo poderá acontecer na segunda, na
terça, na quarta, na quinta, na sexta, no sábado ou no domingo. Não há como saber. Apenas
aproveite a idéia e brinque com ela tantas vezes quanto for possível. Se nada acontecer —
lembre-se, não estou lhe prometendo nada —, não há problema: você terá se divertido.
Você brincou com essa idéia, fez uma tentativa.
Dizem que devemos agarrar as oportunidades. Pois eu digo o contrário: continue
aberto à meditação e, quando o momento chegar, quando você estiver realmente relaxado e
aberto, a meditação irá agarrá-lo.
E depois disso não o deixará mais.
Não há como. Então pense duas vezes antes de entrar neste jogo!
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