Wu-Wei: O Fazer pelo Não-Fazer
O Tao e o Zen não são
diferentes. Eles diferem somente quanto a suas origens. A filosofia do Tao
surgiu na China antiga com o grande mestre Lao-Tzu. E o Zen nasceu com a
transferência da flor das mãos de Buda, para as mãos de Mahakashyapa. Mas ambos
dizem respeito à mesma Verdade já revelada: Aquilo que não pode ser expresso
pelas palavras... Àquela única coisa que É. E é justamente pela impossibilidade
de Isto não poder ser expressado que os mestres preferem dar ênfase ao
silêncio, e não dizer nada: pelas palavras você não pode alcançar. Palavras só
ajudam até um certo ponto. Assim, o Ser muitas vezes é retratado por palavras
que indicam passividade e até mesmo conotações negativas. Por exemplo: muitos
mestres dão ênfase ao Ser através da palavra "Não-Manifesto". A
expressão Não-Manifesto tenta, através de uma negativa, expressar aquilo que
não pode ser falado, pensado ou imaginado. Ela aponta para o que É quando diz o
que não é. Logo, dizer Não-manifesto significa se referir ao Ser. Esses jogos
de palavras, positivos e negativos, tentam fazer com que você não se prenda a
nenhuma destas expressões e nem comece a acreditar nelas, pois elas não passam
de indicadores, de setas apontando para o alvo. Assim, não se agarre às
expressões positivas, nem às negativas... o caminho é o do meio. O caminho é
aquele que não pode ser constatado, aquele que não se pode ver. E o Taoísmo
diz: "Não faça!". Ele gosta muito da expressão "não-fazer".
A não-ação constitui a força criadora de toda atividade, de toda a existência.
Não há como explicar a Existência fundamentando-a em princípios e teorias -- a
começar pela já-existência deles. A Existência só pode ser "explicada"
(compreendida) a partir da Não-Existência. E quando alguém aprende a
perceber/contemplar ambos, aí é possível adentrar o caminho do meio: o ponto
que está exatamente no centro, entre o existir e o não-existir. Então a
existência e a não-existência tornam-se UM só. E assim se sucede com o Fazer. O
verdadeiro fazer só pode ser compreendido a partir do não-fazer. Este
"não-fazer" corresponde ao "sentar sem nada fazer" do Zen.
No Taoísmo se diz "wu-wei".Conseguir se entregar
ao momento presente - de forma total - é o que é preciso para começar a
vivenciar o "fazer pelo não-fazer". O homem não precisa se preocupar
com problema algum que possa vir a surgir eventualmente. Todo problema é coisa
da mente. Entregue-se no momento do fazer. Ao fazer arroz, você não tem que fazer
um arroz delicioso, você não tem que agradar quem irá comer, você não tem que
acabar rápido para fazer a salada. A única coisa que você tem é não ter de se
preocupar com nada... é “não ter que” nada.A mente acha que ela precisa
"fazer um arroz delicioso" e agradar alguém. Olhe quanta energia a
mente dessa pessoa está desperdiçando! Ela poderia, simplesmente, ir lá e fazer
o arroz. E, no momento certo, em cada instante do tempo presente, todas as
questões que fossem surgindo (inclusive a intenção de deixar o arroz delicioso)
seriam naturalmente cumpridas... sem esforços... sem preocupações... sem nada!
Tudo que é preciso é apenas tomar a decisão de fazer o arroz... ir lá, e
fazê-lo.O ser humano está na ilusão de que ele é separado de tudo o que ele pode
ver, sentir, tocar, ouvir, cheirar, etc. A ilusão ocorre porque o homem não
acredita no AGORA; não consegue perceber o momento presente, em sua plenitude
e, por isso, vive preso em sua mente. A mente não acredita no fácil; é bom que
tudo seja difícil para ela; ela gosta de muitas complicações. Ela não gosta de
ficar sem fazer esforço, porque senão ela começaria a sumir. Ela é muito
egoísta. Ela cria muitas dificuldades e sofrimentos para você e para ela mesma
-- mas pelo menos assim ela pode continuar existindo.
Uma vez que alguém alcance este "fazer, não
fazendo", essa pessoa se encontra. Ela se sente realizada com seja lá qual
for a atividade que ela esteja desempenhando. "Fazer arroz" é apenas
um exemplo. Conseguir manter esse estado em qualquer atividade que você esteja
fazendo, vai lhe trazer uma grande realização. Você conseguirá se divertir com
qualquer situação que você esteja vivenciando -- você pode estar satisfeito no
início, durante, ou no final dela. É muito melhor, pois a satisfação não é
encontrada apenas no final da atividade, quando o objetivo dela é alcançado.
Alcançar objetivos é coisa da mente. E, para ela alcançá-los, muito sofrimento
será criado para você.
História Zen: Uma
cidade havia entrado em guerra e tinha sido devastada pelos inimigos. Toda
população havia fugido, pois o comandante do exército inimigo estava se
dirigindo para lá. Somente um mestre zen não fugiu, permanecendo na cidade.
Quando o exército inimigo chegou, viu que não havia ninguém, exceto aquele
pobre senhor que estava sentado no meio da cidade, observando tudo o que havia
acontecido. O comandante se aproximou do velho e lhe disse: "Ei velho,
você o que você ainda está fazendo aqui? Por que não abandonou a
cidade?"... e o velho nada respondeu, apenas sorriu ao comandante. Este,
vendo que o velho não se incomodava com nada, lhe disse: "Você é muito
corajoso por estar aqui. Você tem idéia de quem sou eu?... Eu sou aquele que
pode lhe tirar a vida a qualquer momento!". E o velho lhe respondeu:
"E você tem idéia de quem eu sou? Eu sou aquele que pode ter a vida tirada
por você, a qualquer momento.
"DESAPEGO DE TUDO. É nisso que consiste essa pequena
historinha. Se você não estiver apegado, você pode enfrentar qualquer situação
sem preocupação alguma. Diante de uma pessoa assim, até um comandante inimigo é
um derrotado. A idéia do apego existe, porque a mente faz você achar que você é
alguém, com idéias, conceitos, pensamentos, conhecimentos através dos sentidos.
Mas até mesmo os sentidos não podem captar quem você realmente é, e eles o
enganam. Você tem a idéia de que você é alguém porque sua mente acredita em
muitas coisas. Mas a verdade é que você não é NADA. Você é NADA; o arroz
delicioso é NADA. É por isso que, quando você está totalmente focado no momento
presente, você pode ser o arroz, e o arroz pode ser você. Da próxima vez que
for fazer o arroz, ou qualquer outra coisa, experimente fazê-lo com o mesmo
espírito desapegado daquele mestre zen. Esteja receptivo a esse estado de
espírito e diga ao arroz: "Você sabe quem sou eu? Eu sou aquele que está
fazendo o arroz" E você sabe quem é o arroz? Ele é aquele está sendo feito
por você. Ambos vocês estarão se completando um ao outro. Vocês estarão se
complementando; e estarão em tal harmonia que não haverá mais você e o arroz:
apenas a atividade de você estar fazendo o arroz; e do arroz estar sendo feito
por você... tudo será uma coisa só. Não se iluda: é somente a mente que faz
você perceber que você é uma pessoa (um cozinheiro, um cientista, um professor,
um médico, um guerreiro, um pobre velho etc.). Aquele mestre zen, não se
percebia como um homem velho que havia ficado numa cidade destruída -- Ele não
era aquilo. A sua mente pode dizer que ele é um velhinho que ficou para trás;
mas ele não é isso. Naquele momento, aquele homem era alguém que poderia ter a
vida tirada pelo comandante a qualquer momento; só isso,e nada mais. Depois que
o comandante fosse embora, ele não seria mais "alguém que poderia ter a
vida tirada a qualquer momento"... ele seria outra coisa condizente com o
momento presente dele. É importante compreender esse ponto.Portanto, não tente
definir nada. Sua mente pode dizer muitas coisas, mas a Verdade sobre você está
sempre dentro do seu AGORA. Dentro do seu AGORA você é completo com o que quer
que seja que você esteja fazendo; seja lavando o arroz, seja estando à beira da
morte. Alcance a mesma profundidade da percepção daquele mestre zen sobre quem
você é, e você poderá experimentar o verdadeiro estado de desapego. Ele lhe conduzirá
diretamente ao wu-wei: o fazer pelo não-fazer. Isso é algo que só pode ser
vivenciado AGORA. Preste atenção nos momentos presentes pelos quais você passa,
instante a instante. E você se encontrará. Mais do que isso: você saberá quem
você é. Sua vida será muito mais leve... muito mais satisfatória... muito mais
bonita. A vida é bela! Todo instante é belo. Você pode se sentir realizado a
cada instante que passa... e viver toda a sua vida dessa forma.
Apenas lembrem-se de uma
coisa: Este não-fazer a que o Tao se refere é muito genuíno. Ele é um
verdadeiro Não-Fazer. Assim, você nada pode fazer com relação a ele. E se você
tentar praticá-lo, se você tentar praticar o não-fazer, você estará FAZENDO.
Eis aí o que deixa tudo bagunçado para aquele que está tentando alcançar a
Verdade. Mas essa bagunça, este paradoxo, só pode ser superado se você puder
colocar toda a sua totalidade e espontaneidade no seu viver.
Espontaneidade significa deixar-se ser e agir de maneira
natural. É permitir que tudo ocorra por si só, de modo que você não interfira
em nada. Ao invés disso, você aprende a confiar nAquele que criou essa
existência e deixa tudo aos cuidados dEle. Nessa entrega, você relaxa e a
espontaneidade surge. Através da espontaneidade e de sua constante atenção nas
coisas do dia-a-dia, você aprenderá o segredo de Não-Fazer coisa alguma
autenticamente. E tudo o mais virá por acréscimo. Por meio do genuíno
não-fazer, tudo é feito.
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